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Learning in the open

This post is part of the Green Web Fellowship. Fellows are exploring the intersection of digital rights and climate justice; and are reflecting honestly on what they learn and think. More about the fellowship and the fellows.

Starlink na Amazônia: Reflexões sobre humildade, Wayuri e os perigos que estão por vir

Luã Cruz Green Web Fellow 2024

Quando me inscrevi para o Green Web Fellowship, havia planejado que me concentraria apenas nas reclamações e nos maus exemplos sobre a Starlink, já que os principais jornais e até mesmo ativistas e especialistas se concentravam apenas em como a conectividade via satélite era usada por garimpeiros ilegais e que o dono da empresa era um dos piores seres humanos vivos, o Sr. Elon Musk.

Ao me aprofundar nesse assunto, percebi que, de fato, nem tudo eram rosas, mas havia muito mais a ser explorado, discutido e colocado em perspectiva – em outras palavras, o buraco era muito mais embaixo.

NEM TUDO QUE RELUZ É OURO

Durante meu programa (fellowship), viajei para Manaus e conversei com líderes comunitários que descreveram a Internet do bilionário em termos que foram um pouco surpreendentes para meus ouvidos: “revolucionária”, “magnífica”, “salvadora”. E sim, é de fato isso que vem acontecendo, especialmente no que diz respeito à conectividade que tem ajudado no monitoramento territorial, no acesso a serviços médicos e educacionais, na comunicação que economiza horas e horas de viagem de barco e até mesmo no auxílio a órgãos governamentais, como o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), que utiliza as antenas emprestadas para suas atividades.

Essa viagem à minha cidade natal foi uma experiência surpreendente, que me permitiu ouvir diretamente pessoas incríveis, como Elizangela Cavalcante, sobre o impacto dos avanços da conectividade nessas comunidades remotas. Mas, mais uma vez, percebi que a chegada da Starlink é mais complexa do que o esperado.

A primeira pergunta que surgiu foi: Como chegamos até aqui? E a resposta é a mesma de muitos outros problemas que assolam a região amazônica: a negligência do Estado em termos de políticas inclusivas e a ação do Estado no sentido de favorecer o setor privado. Além de nunca dar a devida atenção ao direito à comunicação das pessoas que ali vivem – questão essencial para a defesa da terra -, o Estado também decidiu priorizar outros interesses, internacionais, que vão desde as empresas de telecomunicações até o setor do agronegócio.

Na Amazônia, onde prevalece a exclusão sistemática da vida pública e política, a comunicação nesses territórios serve como uma forma de resistência, permitindo que as comunidades ocupem espaços há muito negados a elas e expressem seus pensamentos, planos e sonhos, apesar dos esforços para silenciá-los. Para a população local, o direito de organizar, expressar e participar nas decisões públicas é sinônimo de resistir e existir.

No entanto, até hoje, parece que o governo conectará gado, fazendas e tratores mais rapidamente do que sua própria população, especialmente as comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Isso fica evidente na influência do setor do agronegócio no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), na política Rural + Conectado e no foco excessivo no 5G, deixando a banda larga fixa em segundo plano.

O descaso levou a uma parceria bastante estranha, chamada Conexão Povos da Floresta, em que as maiores entidades representativas dos povos amazônicos (COIAB, Conaq e CNS) estão recebendo “kits de energia e conectividade” financiados por notórios destruidores da Amazônia e de vários outros biomas brasileiros, como JBS, Hydro, Santander e Vale.

A partir desse impasse, surge outra questão pessoal: Quem sou eu para dizer como essas comunidades e povos devem se conectar? De fato, não tenho (nem pretendo ter) legitimidade para afirmar ou sugerir algo. No entanto, não custa nada fazer um alerta, pois o que já vivenciamos nas regiões urbanas e conectadas com o advento da conectividade é bastante visível: vícios pessoais, erosão da democracia, quebra de laços afetivos, homogeneidade cultural – a lista é longa.

E embora o Conexão Povos da Floresta não mencione os efeitos perversos e negativos da conectividade em seus vídeos promocionais, ouvi de líderes comunitários que esses impactos já estão sendo sentidos em grupos que começaram a usar a Internet mais rápida de Musk. Tempo de tela descontrolado entre os jovens, consumo de pornografia pelos homens (e o consequente efeito dominó sobre as mulheres da comunidade), rápida disseminação de notícias falsas – nada que os não indígenas conectados já não saibam. Mas quando isso acontece em territórios que historicamente lutam por sua preservação física e cultural, tudo se torna mais complexo e me faz pensar se trazer esses problemas e perigos também é o objetivo da JBS, Hydro, Santander e Vale ao financiar as antenas Starlink para essas comunidades. Às vezes penso que é uma teoria da conspiração, mas poderia muito bem ser uma conspiração de fato.

LER, OUVIR E AVISAR

Todas essas questões pessoais também são o resultado de algumas lições pequenas, mas importantes, que aprendi nos últimos seis meses. Ser humilde ao ouvir e, ao mesmo tempo, apresentar e mostrar os possíveis impactos negativos da conectividade via Starlink é um esforço que exige um comportamento cuidadoso para se aproximar do discurso crítico de uma forma mais gentil/delicada/equilibrada. Também foi extremamente importante ir aos territórios para validar as hipóteses sobre os impactos negativos que eu tinha quando comecei a pesquisa.

Um exemplo do que não se deve fazer aconteceu recentemente, quando uma reportagem muito bem escrita por Jack Nicas, do The New York Times, foi replicada de forma extremamente racista por jornais como o New York Post e o TMZ, além de dezenas de sites brasileiros. Eles agregaram o artigo com uma manchete que afirmava falsamente que os indígenas se tornaram rapidamente viciados em pornografia. Muitos desses sites utilizaram fotos dessas comunidades, criando vídeos e memes – algo extremamente inescrupuloso que reafirma a necessidade de tratar esse tema com a responsabilidade que ele merece.

A TRANSAMAZÔNICA 2.0

Por ser um evento tão recente, também percebo que talvez os impactos negativos ainda não sejam tão visíveis. Ao contrário do que aconteceu com a sangrenta Transamazônica, onde o desmatamento de milhões de hectares de florestas e a morte de 8.000 indígenas foram sentidos antes e durante o estabelecimento da rodovia, agora enfrentamos uma chegada mais silenciosa, mas igualmente ameaçadora.

A Tranamazônica deixou um legado de degradação e pobreza que ainda afeta a região. A Starlink, por sua vez, provavelmente repetirá esses erros, pois é uma empresa que – embora se concentre em regiões remotas e de difícil acesso – nem sequer considera os impactos ambientais e sociais sobre as comunidades que a utilizarão, exacerbando os problemas existentes e criando novos desafios.

Traçar paralelos entre projetos de infraestrutura históricos e modernos revela a continuação de um padrão colonial. Por exemplo, a construção de barragens hidrelétricas, como a hidrelétrica de Tucuruí, concebida durante a ditadura militar, violou os direitos humanos sob o pretexto de gerar riqueza para poucos, deixando os afetados pelas barragens na pobreza e com direitos negados. 

Essas analogias históricas destacam a persistência do colonialismo, em que atores poderosos usam recursos financeiros e relações estratégicas dentro das esferas políticas para promover seus interesses. Padrões semelhantes foram observados com a introdução da eletricidade, demonstrando que os avanços tecnológicos podem perpetuar os padrões coloniais de exploração e controle, em vez de simplesmente trazer benefícios incontestáveis. 

Nesse sentido, a chegada da Starlink pode ser vista por alguns como um empreendimento novo e único, mas é essencialmente uma reconfiguração da mesma dinâmica colonial de exploração e marginalização, agora operando em uma economia digital globalizada com diferentes atores e influências. 

É igualmente importante reconhecer que as comunidades de hoje não são apenas vítimas passivas de um ciclo repetitivo. Elas se envolvem ativamente com novas tecnologias e redes globais, às vezes encontrando maneiras inovadoras de usar essas ferramentas em seu benefício. As comunidades têm demonstrado resiliência e adaptabilidade diante de tais mudanças, muitas vezes encontrando maneiras de integrar novas tecnologias de forma a apoiar suas necessidades e objetivos. No entanto, essa resiliência não deve ser considerada uma justificativa para desconsiderar os possíveis danos e a necessidade de uma abordagem mais cautelosa para a implementação de tecnologias.

O QUE VEM POR AÍ? ACOMPANHANDO O IMPACTO DA STARLINK NA AMAZÔNIA

Olhando para o futuro, pretendo ampliar meu recado por meio de vários canais, como publicações em blogs (como este), coleta detalhada de dados e criação de infográficos para aumentar a conscientização. À medida que nos aproximamos das eleições locais em 2024, um dos principais focos poderia ser destacar o impacto da chegada dessa conectividade rápida e sua conexão com a disseminação de desinformação na região.

Ao seguir o rastro do dinheiro, também tenho o desejo de descobrir as verdadeiras motivações por trás das empresas de mineração e agronegócio que financiam a Starlink para comunidades remotas, questionando se suas contribuições representam práticas falsas de ESG e mero discurso de greenwashing, ou se são táticas malignas destinadas a levar à erosão de identidades e ambientes locais.

Considerando tudo isso, e inspirado pela Carta de Recomendações para Políticas Digitais na Amazônia, espero estabelecer parcerias com organizações locais com pouco recursos para aumentar sua capacidade e influência no acompanhamento do impacto da Starlink na Amazônia. Estar presente no território e entender a dinâmica local são ferramentas essenciais para uma análise detalhada desse cenário. Isso também é importante para apresentar soluções adequadas e rápidas que devem ser tomadas pelos órgãos públicos que continuam ausentes desse debate. Infelizmente, mesmo quando o governo está presente, com projetos de banda larga distribuídos ao longo dos rios amazônicos, esses modelos que poderiam servir como alternativas ao Starlink ainda não estão funcionando, mesmo após sua implantação.

Concluo este texto e esta jornada com algumas recomendações, como as de Ray Baniwa, da Terra Indígena Alto Rio Negro, que defende o reconhecimento e o enfrentamento da deficiência da infraestrutura de internet na Amazônia. Ele enfatiza a importância de investir em melhorias para garantir uma conectividade adequada, justa e igualitária. Segundo ele, essa ação também deve ser acompanhada de políticas que promovam e fortaleçam iniciativas locais e regionais focadas em conectividade significativa, especialmente em tecnologia e capacitação em segurança digital, com o envolvimento ativo e amplo dos povos indígenas como protagonistas.

Também aprendi muito com a comunicadora popular Juliana Albuquerque, do povo Baré, que ressalta que, apesar das críticas, a Starlink continua sendo a única opção que os ajuda a garantir a soberania da Amazônia, amplificando sua luta. 

Ela também defende que precisamos nos engajar em um Wayuri para alcançar uma conectividade significativa para os povos da Amazônia. Conforme explicado no site da Rede Wayuri:

“Wayuri quer dizer em nheengatu, uma das quatro línguas indígenas que falamos em nossa região, trabalho coletivo ou mutirão. Esse é o espírito que nos une e fortalece: pensar e agir coletivamente! Seja no carro de som, nos áudios de zap ou pela radiofonia, o importante é manter nossos 23 povos indígenas bem informados e sem fake news!” 

Assim, acredito que meus próximos passos serão tentar contribuir para tornar esse Wayuri necessário cada vez mais forte.

E se quiser dar uma olhada em como foi minha apresentação final, confira o vídeo abaixo:

Green Web Fellowship Final Presentations Luã Cruz

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